Do Cafona ao Brega.
Por Ludwig Oliveira*
São vários os anos em que pesquiso sobre Música Popular
Brasileira e dentre os mais variados autores que tenho, um deles é uma espécie
de referência para o assunto em tela: José Ramos Tinhorão, que já lançou uns
doze ou treze livros, possuo dois deles: “Música popular: um tema em debate”,
de 1966 e “Música popular: o ensaio é no jornal” um dos mais recentes de sua
autoria, são livros estribados em trabalho de pesquisa e análise crítica sobre
os mais variados gêneros e compositores.
Mas o polêmico Tinhorão nunca abordou nomes como Paulo
Sérgio, Odair José, Nelson Ned, ou Benito Di Paula, Paulo Sérgio, vertente esta
que era rotulada de “Cafona”, palavra italiana, cafoné, que significa indivíduo
humilde, atoleimado. Criada no Brasil pelo compositor Carlos Imperial, a
expressão subsiste hoje como um termo utilizado para designar “coisa barata,
descuidada e malfeita”, disse certa feita o pesquisador Ricardo Cravo Albin:
“sempre que eu fizer referência ao repertório ‘cafona’ – a palavra aparecerá
entre aspas porque contém um juízo de valor impregnado de preconceitos com os
quais não compartilho -, estarei me referindo àquela vertente da música popular
brasileira consumida pelo público de baixa renda”.
No que eu concordo com Cravo Albin. O economista Edmar Bacha
criou o termo “Belíndia”, uma metáfora para explicar a existência de dois
“Brasis”, um composto pela classe média e alta, morando no grande centro urbano
e com um padrão de vida de primeiro mundo, semelhante ao da população da
Bélgica; outro composto pela classe média baixa e assalariada, vivendo em
precárias condições, sem escola e informação e com um padrão de consumo
semelhante ao da Índia.
Transportando esta metáfora para o campo específico da
música, é possível dizer que artistas como Chico Buarque, Mílton Nascimento e
Caetano Veloso tinham seu público entre os habitantes da “Bélgica”, enquanto
que os cantores “cafonas” eram ouvidos e admirados pela imensa maioria da
população da “Índia”. Pois, Tinhorão e o pesquisador Ary Vasconcelos sempre se
preocuparam com a população “pseudo-intelectual” voltada para o estilo daqueles
que faziam a MPB – Caetano, Gil, Mílton, Edu Lobo, Geraldo Vandré, Chico
Buarque e discos como “Sinal Fechado” e “Clube da Esquina”, sem dúvida
representativos, mas que à época eram consumidos por um segmento mais restrito
de público, da classe média. São coisas que me levam a uma reflexão acerca do
silêncio da história. O historiador francês Jacgues Le Golff,
afirmava que era preciso interrogar-se sobre os
esquecimentos, os hiatos, os espaços em branco. “Devemos fazer o inventário dos
arquivos do silêncio, e fazer a história a partir dos documentos e das
ausências de documentos”. Quando pesquiso a obra musical de uma geração de
cantores/compositores considerados “cafonas”, eu recupero a memória de uma
facção da cultura deixada para trás. Quem não lembra e quem não gosta de ouvir
a balada: “Esta é a última canção/ que eu faço pra você/ já cansei de viver
iludido/ só pensando em você”... do alfaiate e cantor Paulo Sérgio.
*Radialista e Professor.
Artigo publicado originalmente no
Jornal da Cidade dia 14 de maio de 2008.
Jornal da Cidade dia 14 de maio de 2008.
Reproduzido do Facebook/Ludwig Oliveira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário