quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Artigo: Do Cafona ao Brega


Do Cafona ao Brega.
Por Ludwig Oliveira* 

São vários os anos em que pesquiso sobre Música Popular Brasileira e dentre os mais variados autores que tenho, um deles é uma espécie de referência para o assunto em tela: José Ramos Tinhorão, que já lançou uns doze ou treze livros, possuo dois deles: “Música popular: um tema em debate”, de 1966 e “Música popular: o ensaio é no jornal” um dos mais recentes de sua autoria, são livros estribados em trabalho de pesquisa e análise crítica sobre os mais variados gêneros e compositores.

Mas o polêmico Tinhorão nunca abordou nomes como Paulo Sérgio, Odair José, Nelson Ned, ou Benito Di Paula, Paulo Sérgio, vertente esta que era rotulada de “Cafona”, palavra italiana, cafoné, que significa indivíduo humilde, atoleimado. Criada no Brasil pelo compositor Carlos Imperial, a expressão subsiste hoje como um termo utilizado para designar “coisa barata, descuidada e malfeita”, disse certa feita o pesquisador Ricardo Cravo Albin: “sempre que eu fizer referência ao repertório ‘cafona’ – a palavra aparecerá entre aspas porque contém um juízo de valor impregnado de preconceitos com os quais não compartilho -, estarei me referindo àquela vertente da música popular brasileira consumida pelo público de baixa renda”.

No que eu concordo com Cravo Albin. O economista Edmar Bacha criou o termo “Belíndia”, uma metáfora para explicar a existência de dois “Brasis”, um composto pela classe média e alta, morando no grande centro urbano e com um padrão de vida de primeiro mundo, semelhante ao da população da Bélgica; outro composto pela classe média baixa e assalariada, vivendo em precárias condições, sem escola e informação e com um padrão de consumo semelhante ao da Índia.

Transportando esta metáfora para o campo específico da música, é possível dizer que artistas como Chico Buarque, Mílton Nascimento e Caetano Veloso tinham seu público entre os habitantes da “Bélgica”, enquanto que os cantores “cafonas” eram ouvidos e admirados pela imensa maioria da população da “Índia”. Pois, Tinhorão e o pesquisador Ary Vasconcelos sempre se preocuparam com a população “pseudo-intelectual” voltada para o estilo daqueles que faziam a MPB – Caetano, Gil, Mílton, Edu Lobo, Geraldo Vandré, Chico Buarque e discos como “Sinal Fechado” e “Clube da Esquina”, sem dúvida representativos, mas que à época eram consumidos por um segmento mais restrito de público, da classe média. São coisas que me levam a uma reflexão acerca do silêncio da história. O historiador francês Jacgues Le Golff,

afirmava que era preciso interrogar-se sobre os esquecimentos, os hiatos, os espaços em branco. “Devemos fazer o inventário dos arquivos do silêncio, e fazer a história a partir dos documentos e das ausências de documentos”. Quando pesquiso a obra musical de uma geração de cantores/compositores considerados “cafonas”, eu recupero a memória de uma facção da cultura deixada para trás. Quem não lembra e quem não gosta de ouvir a balada: “Esta é a última canção/ que eu faço pra você/ já cansei de viver iludido/ só pensando em você”... do alfaiate e cantor Paulo Sérgio.

*Radialista e Professor.

Artigo publicado originalmente no
Jornal da Cidade dia 14 de maio de 2008.
Reproduzido do Facebook/Ludwig Oliveira.

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