O escritor, compositor e músico Aldir Blanc,
em uma livraria
da Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro,
em uma imagem de arquivo, em 2006.
ALAOR
FILHO/AE
Publicado originalmente no site do jornal EL PAÍS BRASIL, em
4 de maio de 2020
Morre Aldir Blanc, compositor da trilha sonora da luta
contra ditadura, por covid-19
Escritor e compositor teve algumas de suas maiores
composições imortalizadas pela voz de Elis Regina, como “O bêbado e a
equilibrista”. Morreu aos 73 anos, no Rio de Janeiro
Por Diogo Magri
Aldir Blanc, compositor e escritor brasileiro, morreu na
madrugada desta segunda-feira, no Hospital Universitário Pedro Ernesto, na Vila
Isabel, zona norte do Rio de Janeiro, vítima do novo coronavírus. Ele tinha 73
anos e estava internado na UTI desde o dia 15, onde foi diagnosticado com a
covid-19, além de sintomas de infecção urinária e pneumonia. Blanc deixou seu
nome eternizado na música brasileira com canções feitas em parceria com João
Bosco, como O Bêbado e a Equilibrista, sucesso na voz de Elis Regina.
Blanc deu entrada no Hospital Municipal Miguel Couto com o
quadro de infecção urinária e pneumonia no dia 10 de abril. Contam os amigos
mais próximos que na quinta-feira estava bem, e na sexta foi levado de
ambulância ao hospital. Sem recursos para manter seu pai internado, a filha de
Aldir, Isabel, pediu doações através de uma página no Facebook para
transferência de hospital e tratamento do artista. Mary Blanc, sua esposa,
também foi diagnosticada com o coronavírus, mas tem quadro estável.
Nascido Aldir Blanc Mendes, no Rio de Janeiro em 2 de
setembro de 1946, ingressou no curso de medicina aos 20 anos e se especializou
em psiquiatria, mas deixou a profissão em 1973 para se dedicar exclusivamente à
música. Àquela altura, já havia feito sucesso com Amigo é pra essas coisas,
parceria com Silvio da Silva Jr. e vice-campeã do Festival Universitário em
1970, fato que fez Blanc se juntar a Ivan Lins, Gonzaguinha e outros para
fundar o Movimento Artístico Universitário. Um ano depois, Ela, composição sua
com César Costa Filho, foi gravada por Elis Regina. E, em 1972, pela primeira
vez a célebre cantora escolhe uma música escrita por Blanc e João Bosco para
seu disco, que iniciaria a trajetória de sucesso do trio: Bala com Bala.
A partir dali, Elis passou a receber as novidades de Blanc e
Bosco em primeira mão. Depois de O Mestre-sala dos mares e Dois pra lá, dois
pra cá, a dupla de compositores assinou sua música mais famosa em 1978. A
inspiração veio no Natal de 77, a partir da morte de Charles Chaplin naquele
dia. “Caía a tarde feito um viaduto / e um bêbado trajando luto / me lembrou
Carlitos” são os versos que abrem a canção, em memória ao personagem mais
famoso de Chaplin. O viaduto faz referência ao Elevado Paulo de Frontim, no Rio
de Janeiro, que ruiu em 1972, dois anos após sua conclusão, matando 29 pessoas.
Ainda na letra, o verso “choram Marias e Clarices”, em
referência às viúvas de Manuel Fiel e Vladimir Herzog, brasileiros mortos nos
porões do Governo militar, marcou a posição política da música em tempos de
ditadura. O “Brasil que sonha com a volta do irmão do Henfil” pede a anistia do
sociólogo Herbert José de Sousa, irmão do cartunista e exilado do país desde
1971. Gravada por Elis Regina em 78 e por João Bosco em 79, a intitulada O
Bêbado e a Equilibrista se tornou o hino informal da Lei da Anistia de 79,
responsável por trazer de volta alguns dos brasileiros exilados pelos
militares.
Blanc e Bosco se separaram em 1982, de acordo com os dois,
sem brigas. O reencontro viria somente em 2002, para regravar O Bêbado e a
Equilibrista. Durante a separação, Aldir trabalhou com outros músicos, como o
violonista Guinga, Moacyr Luz e Cristovão Bastos. Aristas, escritores e amigos
homenagearam o compositor na manhã desta segunda. “Bosco e Blanc cunharam
grandes pérolas e eternizaram momentos importantes na história da nossa
música”, escreveu Samuel Rosa, vocalista do Skank, em seu Instagram. Na mesma
rede social, João Bosco deixou uma mensagem simples de luto nos stories. “A
poesia acorda triste com a partida de mais uma caneta que nos inspirou a
sonhar”, postou Emicida no Twitter.
Biógrafo de Blanc (Aldir Blanc - Resposta ao Tempo, 2013),
Luiz Fernando Vianna descreveu os últimos anos do artista como uma “reclusão
quase permanente”. Segundo ele, consequência de uma “fobia social” que
desenvolveu a partir de um grave acidente de carro, em 1991, que limitou os
movimentos de sua perna esquerda. Tinha diabetes e, há mais de dez anos,
raramente fumava ou bebia. Vianna conta que Aldir nunca saiu do Brasil, mas
viajava na sua obsessão por livros dos mais diversos assuntos.
Aldir Blanc deixa duas filhas do primeiro casamento, Mariana
e Isabel, e mais duas de criação do segundo, Tatiana e Patrícia. Também deixa
cinco netos e um bisneto. E também um legado na história da música brasileira,
para quem “sabe que o show de todo artista tem que continuar”.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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