Foto: Ilustração/Internet
Publicação compartilhada do site RADAR SERGIPE, de 5 de janeiro de 2023
Por Marcos Melo*
Costumo dizer que minha geração foi musicalmente privilegiada. Na adolescência, nos anos 1950, fomos de rock’n roll, com Bill Haley e seus Cometas, Elvis, Litle Richard, Neil Sedaka, Paul Anka, Pat Boone, Sérgio Murilo, Cely Campelo, Carlos Gonzaga e outros mais.
Precisamente, às 18:05 hs, sintonizávamos a Rádio Mayrink Veiga para ouvirmos “Hoje é Dia de Rock”, programa idealizado e produzido por Jair de Taumaturgo, sob a locução de Isaac Zaltman, que apresentava as últimas gravações e novidades do mundo do rock. Foi ouvindo esse programa, num rádio SEMP a todo volume, que três jovens propriaenses criaram “Os Diabos Louros do Rock”, trio de muito sucesso na cidade. Certamente, a dupla Roberto e Erasmo Carlos, futuros ídolos da Jovem Guarda, também o ouvia.
A década de 1960 começou com o estouro mundial dos reis do iê, iê, iê. Sim, eles mesmos, os Beatles, com dezenas de canções cada uma melhor do que a outra. “A Hard Day’s Night” deu o tom e desencadeou uma revolução na música pop iniciada em 1962 e concluída em 1970 com a dissolução do quarteto, que até hoje reverbera nos quatro cantos do planeta.
Por aqui, basta lembrar os inúmeros conjuntos e bandas criados na esteira do “Fabulous Four”, com destaque para “Renato e Seus Blue Caps” que, por mais de 50 anos, fez milhares de shows e animou milhares de bailes tendo por carro-chefe “Menina Linda”, a versão feita por Renato Barros de “I Should Have Know Better”, mega sucesso dos Beatles. Os Blue Caps até 2019 estavam ativos. Com a morte do líder em 2020, não se sabe se o conjunto continuará na estrada.
Musicalmente pródiga e contestadora nos costumes e na política, a década de 1960, a partir da gravação de “Chega de Saudade”, por João Gilberto, em 1958, viu surgir a bossa nova que projetou mundialmente a música popular brasileira, sobretudo depois do célebre concerto do Carnegie Hall, em Nova York, no dia 21 de novembro de 1962, portanto há exatos 60 anos; e, em seguida, com a gravação dos LPs Getz/Gilberto, em 1964, que lançou Astrud Gilberto interpretando Garota de Ipanema em inglês; e Francis Albert Sinatra & Antônio Carlos Jobim, em 1966. A esplêndida música de Jobim ganhou o mundo e João Gilberto tornou-se um cantor/instrumentista cult.
Por sua vez, o rock brasileiro ganhou dimensão nacional alicerçado no extraordinário caudal de expressivas composições da dupla Roberto/Erasmo Carlos. Músicas icônicas a exemplo de “Quero que vá tudo para o Inferno”, “Festa de Arromba”, “Detalhes” e “Gatinha Manhosa” bem definem a trilha sonora da Jovem Guarda, que tem algo de contestador, mas que enfeixa uma elevada dose de romantismo. No vácuo da dupla aparecem os Golden Boys, Jerry Adriani, Wanderléa, Nilton César, Evinha, Eduardo Araújo, Wanderley Cardoso e, last but not least, a dupla Leno e Lilian, ele falecido há poucos dias. Com o recente desaparecimento de Erasmo Carlos, só resta, dessa geração, o rei Roberto Carlos, que há mais de meio século flana no topo do sucesso embalado por canções marcantes.
A década de 1960 também foi a dos festivais, certames musicais que revelaram talentosos artistas que enriqueceriam enormemente a MPB: Chico Buarque (A Banda, Roda Viva), Caetano Veloso (Alegria, Alegria), Gilberto Gil (Domingo no Parque), Milton Nascimento (Travessia), Edu Lobo (Arrastão, Upa Neguinho), Ivan Lins (Madalena), Paulinho da Viola (Sinal Fechado), Geraldo Vandré (Disparada, Caminhando/Para não Dizer que não Falei de Flores), Taiguara (Hoje), Gonzaguinha (O Trem) e outros. Os anos 1960 também revelaram cantoras excepcionais como Elis Regina, Nara Leão, Maria Betânia, Clara Nunes, Rita Lee, Nana Caymmi e a afinadíssima Gal Costa, também há poucos dias falecida.
Com tanta música boa, todos nós então cantávamos, porque quem canta seus males espanta e para amenizar a travessia daqueles dias sombrios tutelados pelo regime militar. Pois bem, aos 19 anos, em 1964, aprovado em concurso público, fui trabalhar no Banco Comércio e Indústria de Minas Gerais onde tive a satisfação de conhecer Murilo de Mattos Dantas, acadêmico de Direito e responsável pelo setor de cadastro. Guapo bem nascido, cantor afinado, percussionista criativo, Murilo tinha todas as letras de músicas que se possa imaginar grafadas em vários cadernos bem cuidados. Acho mesmo que ele ainda os tem, pois, agora como fundador da Bandáguia, prossegue em sua melódica caminhada levando alegria aos quatro cantos da cidade, sobretudo aos residentes no Asilo Rio Branco.
Esses cadernos eram a bíblia das serenatas que fazíamos. Sim, eram serestas realizadas com esmero, planejada no repertório e nos locais onde íamos cantar. Embarcados no DKW Vemag, de Murilo – o próprio, Otávio (Tatau), Bosco e eu – seguíamos para a proximidade das casas onde residiam as garotas alvo de nossa cantoria, especialmente das colegas de banco Hortência, Vera e Isaura. O repertório constava de músicas da Jovem Guarda – Gatinha Manhosa, A Volta, Feche os Olhos – de boleros: Perfídia, La Barca, Dos Almas; e de sambas-canção: Nem Eu, A Noite do Meu Bem. Havia uma música, acho que era “Boa Noite”, que tinha uns versos que diziam: “O peixe quer o rio/O rio quer o mar/E eu quero você todinha para amar.” Essa canção, em ritmo de balada romântica, era especialidade de Tatau, para mim, o único beatnik do pedaço.
Com o tempo fomos ganhando prestigio de bons seresteiros. Tanto que colegas nossos pediam que fôssemos cantar na porta de suas namoradas. Deu até casamento. Este é caso de Jugurta Lima Franco, tesoureiro do banco, que namorava Margarida Diniz, estudante de Medicina. Casaram-se, constituíram uma bela família e foram felizes para sempre.
Bons tempos aqueles em que se podia cantar altas horas da noite nas ruas de Aracaju! “Estou guardando o que há de bom em mim...” Lembram?
* Marcos Melo e professor emérito da UFS e membro da ASL.
Texto e imagem reproduzidos do site: radarsergipe.com.br
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